sábado, 31 de março de 2012

A minha história

   Entre outras coisas, a Teoria do Caos diz que em todo caos há ordem e em toda ordem há caos. Acho que não existe maior caos do que sete bilhões de pessoas dividindo um mesmo planeta. Caminhando rumo à morte, pensando no futuro e lembrando o passado, seguindo com suas vidas monótonas, sem nunca pararem pra pensar "o que está havendo comigo?" Como já disse: em todo caos existe uma ordem, um conjunto de fatores complementares entre si. Uma linha invisível que amarra todos os seres vivos que devam se encontrar durante sua passagem na Terra. Borboleta é o nome que se dá ao efeito dominó que atinge todos os planos humanos. O bater de asas de uma borboleta brasileira pode causar um furacão chinês. Ou evitar um. Tudo é interligado. Nenhum homem é uma ilha.
   Há sete anos atrás, no dia primeiro de janeiro de 2005, meus pais foram ao centro da cidade para comemorar o ano novo com o meu avô e o resto da família. Eu resolvi ficar em casa, sozinho. Perto do meio-dia, o meu primo chegou à minha casa e pediu para dormir um pouco, já que ele sairia à noite para uma balada. Deixou claro que eu não poderia sair de casa, porque senão ele ficaria preso lá dentro, sem chaves.
   Na época, eu tinha doze anos e estava ficando com uma garota que morava há algumas quadras da minha casa. Contrariando o pedido do meu primo, eu resolvi ir à casa dela de bicicleta. Apesar, também, de ter caído e esfolado o joelho três dias antes e, portanto, ter dificuldade em pedalar. Iria apenas dar um beijo nela e voltaria para casa.
   No caminho, encontrei com um amigo meu e ele me convidou para comer uma pizza depois que voltássemos da casa da menina. Claro que eu concordei. Ele só teria que molhar a grama do quintal do tio dele antes. Enquanto ele fazia isso, nós conversamos sobre as garotas e sobre o verão, e tudo mais. Depois disso, subi no bagageiro da bicicleta, porque o meu amigo nos guiaria até a casa da menina.
   Um menino de quinze anos, que passeava com o carro do pai dele e dois primos também menores de idade, tentou nos dar um susto naquela esquina. Acelerou o carro, mas não teve tempo de frear. Meu amigo caiu da bicicleta e eu fui arremessado contra o pára-brisa, e depois fui parar dentro da valeta, há dezesseis metros do carro. Segundo a polícia, o menino entrou em pânico e fugiu do local, em direção à estrada. Dois motoboys que viram o acidente chamaram a polícia e saíram atrás dele, encontrando-o quase na saída do balneário. Conseguiram trazer o motorista até o local do acidente, ameaçando lincharem-no.
   Com a chegada da polícia, meu pai vinha do centro da cidade e parou o carro para ver o que tinha acontecido. Ofereceu ajuda para levar a vítima ensanguentada e desmaiada (que ele não reconhecera, mas era eu) ao hospital. Os policiais agradeceram, mas a ambulância já estava a caminho. Quando foi até o carro, meu pai ouviu os policiais dizerem o meu nome, então, ele voltou. Pera aí, esse é o meu filho!
   Chegando ao posto de saúde, os médicos quiseram me levar em uma ambulância pequena, na qual não cabia nada além de um médico. Meu pai brigou com muitas pessoas e exigiu que esperassem a ambulância grande, na qual caberia ele, um médico e todos os equipamentos - inclusive o desfibrilador. Feito isso, a ambulância pegou a estrada.
   No caminho, eu sofri duas paradas respiratórias e uma parada cardíaca. O médico entrou em pânico e o meu pai teve que me ressuscitar. Estive clinicamente morto por aproximadamente cinco minutos. Sendo, inclusive, posto na máquina de ressonância magnética neste estado.
   Fiquei em coma por um dia e os médicos permitiram que o meu pai passasse a noite comigo na UTI, pois estavam certos de que seria a minha última noite. Acordei no segundo dia de internação e fui levado a um leito comum. Passei onze dias no hospital. Sofri traumatismo craniano e rompi um nervo facial, o que me deixou permanentemente surdo do ouvido direito. Reaprendi a falar e a mover as mãos e as pernas durante aproximadamente dois meses. Passei um ano tomando Tegretol, uma droga anticonvulsiva.
   Aos doze anos de idade, eu tive que me tornar adulto. Por mim mesmo e pela minha família. Graças a esse acidente, eu sofro de depressão pós-traumática e a cada Réveillon, eu comemoro aniversário. Eu culpei Deus, o destino, o menino que dirigia ou a mim mesmo? Não. Pois eu sei que tudo acontece por um motivo. O ano de 2005 foi muito importante na construção do Leandro que vos escreve. Eu agradeço sinceramente a ele e a tudo que esse acidente me ensinou. Meu caráter, minha vontade de viver, minha maturidade... Tudo foi fruto do que relato agora. Acho que eu não seria eu se ainda ouvisse do ouvido direito.
   Agora, vejamos como as coisas são interligadas. E se...
   E se eu tivesse ido com a minha família para o almoço na casa do meu avô? E se eu tivesse obedecido o meu primo e ficado em casa? E se eu não tivesse encontrado com o meu amigo? E se, muito antes, eu não tivesse ficado com a tal menina? E se eu tivesse respeitado o ferimento na perna e não tivesse saído de bicicleta? E se o meu pai tivesse pego outra rua e não tivesse visto o acidente, assim, não tivesse brigado para me porem na ambulância com capacidade para carregar a máquina que salvou a minha vida? E se...?
   Se eu acredito em anjos? Não. Eu acredito nas pessoas, nos amigos, na família e na intuição. O sexto sentido, que muitas vezes negligenciamos, pode salvar uma vida. Ou acabar com uma.
   Essa, enfim, é a minha história. Qual é a sua?